26 set PROSPECÇÃO DE ÁGUAS SUBTERRÂNEAS
Riacho de água cristalina, despoluída, descendo a serra em meio à verdejante paisagem, infelizmente, está ficando restrito à cartão postal e folhinha de calendário. As mudanças climáticas, desmatamentos, poluição dos mananciais e conflitos sociais são fatores que restringem cada vez mais o uso das águas superficiais, tornando as águas subterrâneas uma opção estratégica de abastecimento. O baixo custo de captação, perenidade, proteção e dispensa de tratamento aumenta cada vez mais a exploração desta riqueza natural.
Apenas como exemplo da importância das águas subterrâneas, vale citar que estas são responsáveis por 60% do abastecimento das sedes municipais e grande parte do meio rural do estado da Bahia. Em São Paulo, este número perfaz 76%. Nos países do hemisfério norte as águas subterrâneas já alcançaram nível de desenvolvimento tal que, na qualidade de produto estratégico, abastecem imensas populações e vastas áreas de irrigação: cidades como México e Nova York,75% do abastecimento público da Comunidade Econômica Européia, 70% das áreas irrigadas da China e Califórnia . Em escala mundial, 97% das águas doces disponíveis no planeta estão no subsolo.
As teorias para a origem, ocorrência e movimento das águas subterrâneas evoluíram desde os antigos filósofos gregos, segundo os quais estas se originavam a partir de infiltração das águas do mar sob as montanhas, onde seriam purificadas e ascendiam para superfície em forma de fontes, até o modelo atual, comprovado e aceito mundialmente. Como parte do ciclo hidrológico, resulta da infiltração das águas precipitadas sobre o solo, mantendo estreitas relações com as águas superficiais. Excetuam-se a este modelo apenas as águas congênitas, aprisionadas em interstícios das rochas e as águas juvenis, de origem magmáticas e vulcânicas.
A quantidade e qualidade das águas subterrâneas estão diretamente relacionadas com três fatores básicos: as rochas do subsolo, as estruturas geológicas (falhas, fraturas, porosidades primárias…) e o clima regional. No campo das águas subterrâneas, também temos a Bahia dos contrastes: poços tubulares (popularmente artesianos) com até 430 m³/h de água potável nas bacias sedimentares e poços secos, principalmente na área do embasamento cristalino, onde o índice de improdutividade alcança em torno de 25%. Neste domínio, além da questão da produção, a salinidade é alta, imprópria para consumo humano em quase 50% dos poços produtores. Os domínio da rochas calcárias e metassedimentares apresentam valores equilibrados entre estes dois extremos.
Em mais de dois terços da Bahia não existem os “lençóis subterrâneos”, visto que as águas subterrâneas estão contidas nas fraturas e/ou estruturas de dissolução das rochas, sendo a sua pesquisa dificultosa, onde a diferença entre um poço seco e um poço produtor pode se resumir a poucos metros de distância. Os avanços tecnológicos na pesquisa, prospecção e exploração de águas subterrâneas acompanharam a demanda. Atualmente já não cabem métodos empíricos medievais na procura deste bem mineral. Uma correta locação do poço tubular deverá ser precedida de estudos preliminares que incluem levantamentos de dados, interpretações de mapas, fotografias aéreas ou imagens de satélites e pesquisas de campo. A geofísica, especialmente o método da eletrorresistividade, constitui uma forte aliada na prospecção de água subterrânea, onde através de medidas obtidas por instrumentos, dimensiona as propriedades físicas do subsolo, permitindo a obtenção de informações úteis sobre a estrutura e composição das rochas, detectando zonas de fraturas e as diferentes camadas, fornecendo importantes dados que permitem inferir a ocorrência de águas subterrâneas.
É um dogma humano quanto menos conhecer mais mistificar, e quanto mais se mistifica mais surgem os caminhos mágicos, sempre com rápidas soluções. A prospecção das águas subterrâneas, como tantos outros bens minerais, é um trabalho técnico-científico sujeito a riscos inerentes à própria natureza da ocorrência destas. Fazendo um paralelo com a indústria do petróleo, apesar das mais sofisticadas tecnologias empregadas, a prospecção do “ouro negro” ainda hoje é acompanhada por riscos, com significativo índice de poços não produtores.
A Hidrogeologia, um ramo da geologia que estuda as águas subterrâneas, é uma ciência relativamente recente, com o seu desenvolvimento incrementado a partir da segunda metade do século passado. Pela própria natureza complexa do objeto de estudo, muitos conhecimentos ainda estão por vir. Como a medicina que, apesar do seu fenomenal desenvolvimento, ainda enfrenta os “sábios leigos”, a hidrogeologia é bombardeada constantemente pelos milhares de “vedores”, onde não existe o exercício da dúvida. Prometem, com honrosas exceções, rios de águas subterrâneas, perfuradores “tatus” fazem verdadeiros buracos a preços baixos, em uma concorrência desleal com os bons perfuradores, e o cliente, limitado pela pobre divulgação da cultura hidrogeológica e pelo fato do poço ser acessível apenas à boca, acredita que foi contemplado com o melhor poço da redondeza.
Serão os hidrogeólogos masoquistas?! Porque trocam o rápido e “eficaz” método da varinha pelos trabalhosos caminhos da tecnologia? Serão inúteis as pesquisas e onerosos trabalhos científicos desenvolvidos e em desenvolvimento?! Desde a idade antiga o fenômeno da percepção de radiações pelo ser humano, a radiestesia, é utilizado para detecção de águas subterrâneas . Não é uma ciência, no entanto, negar a sua existência é admitir que nada existe fora da comprovação científica, o que é um pressuposto inaceitável. O fenômeno existe e ocorre com um número de pessoas tal que foge da classificação de raro dom. Não menos que 50% possuem a sensibilidade, e outras poderão vir a desenvolver. O que não é aceitável é a aura de exatidão que a maioria dos usuários tentam dar ao método, minimizando toda a complexidade existente na ocorrência das águas subterrâneas e desprezando toda uma tecnologia, infelizmente, inexistente em tempos passados. A simples detecção de água no subsolo muito pouco serve para a correta prospecção. A rocha reservatório e suas estruturas, o relevo, o sistema de realimentação e o clima são fatores essenciais para uma pesquisa séria e embasada.
Quando a radiestesia é tratada com responsabilidade, a exemplo do livro “ A vida brota das águas subterrâneas – Uma vista radiestésica”, do Dr. Imre Lajos Gridi-Papp, as limitações são expostas, como esta citação na página 61 se referindo primeiramente ao poço escavado manualmente, com profundidade máxima de 25m: “Um bom poceiro, usando a varinha, consegue obter resultado positivo em pelo menos 60% das suas marcações. Quanto ao poços semi-artesianos, a avaliação do acerto, na marcação, é muito mais complicada e onerosa, quase impraticável devido à irregularidade e conhecimento insuficiente das camadas geológicas”.
Concluindo, que na prospecção de águas subterrâneas prepondere a ciência. Os métodos alternativos podem ser bem vindos, desde que sejam reconhecidas e respeitadas as suas limitações. A atitude holística também passa obrigatoriamente pela verdade!
João Batista Matos de Andrade
Geólogo MSc
Especializado em hidrogeologia e hidrogeofísica